Estamos de olho no que acontece no Cerrado

A iniciativa Tamo de Olho, iniciada em 2021, tem o objetivo de promover estratégias de incidência jurídico-política em alertas de desmatamentos, por meio de ferramenta capaz de priorizar casos a partir de critérios socioambientais, olhando para a garantia de direitos territoriais de Povos e Comunidades Tradicionais no Cerrado.

Diante do grande número de alertas de desmatamento, a plataforma que auxilia na priorização de casos pode contribuir para uma atuação mais eficiente no combate e controle da degradação ambiental, em articulação estratégica com  o Ministério Público, a Defensoria Pública, órgãos ambientais e de segurança pública.

O Tamo de Olho se concentra nos estados do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), mas também considera a atuação em outras regiões do Brasil, buscando incidir tanto no âmbito do Sistema de Justiça, quanto nos Poderes Executivos e Legislativos.

O Cerrado e o Matopiba

O Cerrado ocupa posição geopolítica e econômica estratégica para o Brasil. O avanço da agricultura de larga escala no bioma favoreceu o desenvolvimento econômico, as exportações e a balança comercial brasileira.

As águas provenientes dos rios que nascem no Cerrado são essenciais para a segurança energética brasileira e de países vizinhos, respondendo por 80% da energia gerada nas maiores usinas hidrelétricas do país.

Esse binômio estratégico, por si só, deveria despertar maior atenção do poder público e setor privado, no sentido de reconhecer as importantes contribuições do bioma para a manutenção de serviços ecossistêmicos de relevância global, como a regulação do clima, a conservação da biodiversidade, a provisão de água e a oferta de alimentos.

No entanto, o segundo maior bioma brasileiro, correspondente a aproximadamente 25% do território nacional, considerado a savana tropical mais biodiversa do mundo, com alto grau de endemismo, nascente de oito das 12 principais bacias hidrográficas do país e responsável pela recarga dos três maiores aquíferos (Bambuí, Urucuia e Guarani) do continente, está ameaçado e sofre com a baixa proteção legal das áreas remanescentes de vegetação nativa, além do descaso com o reconhecimento dos direitos territoriais de inúmeras populações tradicionais que vivem no Cerrado.

Praticamente metade do bioma já foi desmatado para a criação de gado e para lavouras de milho, algodão, café e, principalmente, soja. Hoje, a maior frente de desmatamento do Cerrado está no Matopiba, chamada de “última fronteira agrícola” do Brasil.

Nos últimos 10 anos, a área total desmatada no bioma foi de 90,8 mil Km², enquanto na Amazônia Legal foi de 84 mil Km², segundo dados do Prodes/Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), para o período de 2013 a 2022. Apenas neste último ano, 71% do desmatamento do Cerrado ocorreu justamente na região do Matopiba, que teve aumentadas também as taxas de conflito e violência no campo. 

Parte significativa dos conflitos no campo surge justamente com o processo de intensa modernização agropecuária na região, que, aliada aos incentivos governamentais, acaba por transformar o território em alvo de interesse econômico e imobiliário, intensificando o processo de apropriação ilegal de terras públicas, conhecido como grilagem.

A criação do Matopiba, no contexto de políticas públicas de promoção do agronegócio no Cerrado, desconsiderou a realidade dos Povos e Comunidades Tradicionais no bioma. Atualmente, além da invasão de terras públicas para apropriação particular, o fenômeno conhecido como grilagem verde leva ao deslocamento de povos e comunidades dos territórios que tradicionalmente ocupam, devido à apropriação dessas áreas protegidas para constituir a Reserva Legal dos supostos proprietários particulares, exigida no Código Florestal.

A expansão indiscriminada do agronegócio nas principais áreas cultiváveis coloca em risco a conservação da biodiversidade e diversos serviços ecossistêmicos providos pelo manejo e uso sustentável decorrente dos meios de vida de mais de 80 etnias de povos indígenas, além de quilombolas, extrativistas, geraizeiros, vazanteiros, quebradeiras de coco, ribeirinhos, pescadores artesanais, barranqueiros, fundo e fecho de pasto, sertanejos e ciganos, entre outros.

Fotos da página: Acervo ISPN e David Bebber/WWF-UK