STF julga inconstitucional marco temporal para comunidades de Fundo e Fecho de Pasto da Bahia

18 de janeiro de 2024
Representantes das comunidades de Fundo e Fecho de Pasto da Bahia com o procurador Luiz Augusto dos Santos Lima, da PGR, a advogada da AATR, Juliana de Athayde, e a advogada da Irpaa, Edlange Andrade, que defenderam as comunidades no STF.

Ação foi julgada na 12ª vez em que entrou na pauta do Supremo, após cinco anos da proposição

pela Procuradoria-Geral da República

Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na quarta-feira (6/9), a inconstitucionalidade do marco temporal que violava o direito à autoidentificação de comunidades tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto, na Bahia.

A relatora e presidente da Corte, Rosa Weber, afirmou que a imposição do limite temporal restringe os direitos das comunidades e contribui para as violações e violências que as comunidades vêm sofrendo.

Os ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Carmen Lúcia, Edson Fachin, Roberto Barroso e Luiz Fux seguiram o voto da relatora. O ministro Nunes Marques votou pela validade do prazo de cinco anos, com a proposta de que ele fosse iniciado após o julgamento do STF. Gilmar Mendes, André Mendonça e Dias Toffoli não votaram.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5783) foi proposta pela Procuradoria Geral da República (PGR), em setembro de 2017, contra o artigo 3º, parágrafo 2º, da Lei Estadual da Bahia n.º 12.910/2013, que estabelecia um prazo final até 31 de dezembro de 2018 para que as comunidades protocolassem os pedidos de emissão da certidão de autoidentificação e de regularização fundiária dos seus territórios.

Estima-se que existam mais de 1.500 comunidades tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto na Bahia, enquanto apenas 777 já foram certificadas. Descendentes de indígenas e quilombolas, essas comunidades ocupam, há séculos, áreas comuns para criação livre de animais de pequeno porte, colheita de frutos e plantio de roças, preservando fortes laços de relacionamento cultural, familiar e compadrio.

Meio ambiente

São elas que historicamente cuidam do meio ambiente onde habitam, produzindo de forma sustentável e preservando os biomas da Caatinga e do Cerrado. “Mesmo em meio às constantes investidas de grileiros, pecuaristas, do agronegócio, da mineração e dos empreendimentos energéticos que tentam adentrar os territórios dos fundos e fechos de pasto, trazendo como consequências diretas o desmatamento e o desabastecimento dos recursos hídricos, as comunidades resistem”, disse a advogada da Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR), Juliana de Athayde, na manifestação durante o julgamento.

Também fizeram sustentação oral enquanto “amigos da corte” o procurador Luiz Augusto Dos Santos Lima, da Procuradoria-Geral da República (PGR), e a advogada do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), Edlange Andrade.

Segundo a coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Isabel Figueiredo, não existe futuro para o bioma Cerrado sem o reconhecimento dos territórios tradicionais. “Hoje, reconhecer os territórios tradicionalmente ocupados é a estratégia mais efetiva e urgente para reduzir o desmatamento no Cerrado e garantir provisão de comida e serviços ecossistêmicos para a sociedade”.

Comunidade tradicional de Fundo de Pasto, Barriguda, Município de Canudos. Foto: Arquivo Irpaa

Violência

No sábado, dia 2 de setembro, trabalhadores das comunidades de fundo de pasto do território de Angico dos Dias em Campo Alegre de Lourdes (BA), foram atacados com armas de fogo por grileiros e jagunços, dentro do território tradicional. Três pessoas foram baleadas e ficaram gravemente feridas. Em abril deste ano, três fecheiros haviam sido brutalmente agredidos por pistoleiros, dentro dos seus territórios no município de Correntina (BA).

Segundo o Caderno de Conflito da Comissão Pastoral da Terra de 2022, 43% das vítimas de violências em conflitos por terra e 41% em conflitos por água na Bahia são de comunidades tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto.

A Constituição Federal reconhece um estado pluriétnico e multicultural, assim como a legislação relativa a povos e comunidades tradicionais estabelece a autoatribuição enquanto direito fundamental e os direitos territoriais dela decorrentes enquanto imprescritíveis.

O resultado da ação no STF foi uma vitória para o direito das comunidades tradicionais e servirá de precedente para outras ações semelhantes.

Assessoria de Comunicação do ISPN com informações da Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR).

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